domingo, 21 de novembro de 2010

Aviso:

A aula de Processo Penal do dia 19 de Novembro incidiu sobre a análise de dois acordãos, subordinados aos temas "segredo de justiça" e "princípio da acusação". Na próxima aula, 26 de Novembro, será feito um pequeno comentário escrito a um destes acordãos, cabendo aos mestrandos a escolha do mesmo. Terão cerca de 30 minutos para elaborar o comentário. Segue o ficheiro que o professor disponibilizou relativamente ao segundo acordão. Quanto ao primeiro, amanha será disponibilizado em formato digital neste blog, embora já se encontre na reprografia "EIRAS" em papel.



Principio da acusação (2º acordão apresentado na aula) 
O princípio da acusação e, intimamente ligado a ele, o problema do objecto do processo, oferece-nos sempre todo um conjunto de questões interessantes, tanto do ponto de vista doutrinal quanto jurisprudencial. Porém, não vamos aqui revisitar tais questões, até porque se parte do princípio que é uma daquelas que em sede de licenciatura, normalmente, é satisfatoriamente tratada. Vamos, isso sim, perceber as implicações que um tal princípio tem no objecto do processo quando este, pelo aparecimento de novos factos, substanciais ou não, é posto em crise. Interessa-nos muito simplesmente responder e tentar compreender o sentido da resposta a duas questões: o que sucede ao processo, nisto implicado o objecto e a instância, quando surgem novos factos, sobretudo quando são substancialmente diferentes dos que constam na acusação ou no requerimento para abertura de instrução ou no despacho de pronúncia; e que novidades trouxe a última revisão do CPP que alterou as normas aplicáveis e qual a sua relevância para a problemática. Seguramente que em matéria tão controvertida, o legislador terá pretendido resolver alguns problemas que se vinham colocando habitualmente. Esse desafio permitir-nos-á identificar os aspectos mais candentes desta matéria e que foram objecto da revisão, ao mesmo tempo que nos permite convocar alguns acórdãos mais problemáticos e lançar um olhar crítico sobre as opções agora tomadas.
Por isso, como devemos fazer sempre que possível, também aqui partiremos da análise de um Acórdão para dele se atacar aquelas questões e para dele se convocarem e criticarem outros acórdãos.
O Tribunal Constitucional foi chamado a pronunciar-se sobre um despacho proferido em audiência de julgamento, em processo comum, perante Tribunal colectivo, que considerou “inconstitucional o artigo 359º do Código de Processo penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei 48/2007 e em consequência, a comunicação da alteração substancial dos factos feita ao arguido A. é feita ao abrigo da redacção originária daquele preceito legal”. O Foro Constitucional pronunciou-se em sentido contrário, através do acórdão nº 226/2008. Na análise, quer do despacho recorrido, quer da decisão constitucional, é convocada toda uma série de questões que, de um modo paradigmático, elegem como alvo o princípio da acusação e o seu alcance na definição do objecto do processo. Mas não só. Ali se questiona o sentido último e a pertinência do processo penal no Estado de direito, bem como o estatuto do arguido, do Ministério público, etc. É a diversos níveis um case studi porque envolve aspectos fundamentais do processo penal e da sua relação com a Constituição.
Em causa está o aparecimento de factos na audiência que não constavam da acusação, uma vez que esta se circunscreve à factualidade típica de um crime de furto, previsto e punível pelo artigo 203º, nº 1 do Código penal, e no julgamento, através do depoimento de uma testemunha, se constata que afinal o arguido “arrancou o canhão da fechadura da garagem comum do prédio identificado na acusação e descarnou os fios da fechadura eléctrica, tendo após, acedido ao interior da garagem e de lá retirado e levado consigo o motociclo”, factos estes que, no entender do tribunal colectivo, consubstanciam a prática de um furto qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 203º, nº 1, 204º, nº 2, alínea e) e 202º, alínea d) todos do Código Penal. Por isso, considerou o tribunal que se estava perante uma alteração substancial de factos, o que, no seu entender, deveria ser comunicado ao arguido para ver se ele concordava com o prosseguimento do julgamento pelos novos factos, ou seja, tal como prescrevia o artigo 359º, nº 2 do CPP na sua redacção vigente antes da última revisão operada pela Lei nº 48/2007, uma vez que, considerando inconstitucional a actual norma, a mesma não se aplicaria ao caso.
Fundamentalmente, em causa estava o novo inciso constante do artigo 359º, segundo o qual, ao contrário do que sucedia anteriormente, deixa de ser possível prosseguir criminalmente pelos novos factos quando estes não sejam autonomizáveis daqueles que constam do objecto do processo em análise. Como é sabido, na anterior versão, isso era possível, embora não fosse consensual a solução a dar ao processo em curso. É por aqui que devemos começar por tentar desamarrar o nó. Por uma razão simples: o anterior sistema não era de fácil aplicação prática, sobretudo nos casos em que algum dos sujeitos processuais, nomeadamente o arguido, se opunham ao prosseguimento do julgamento pelos novos factos, não dizendo a lei, claramente, o que fazer ao processo em curso, apenas referindo que, quanto aos novos factos estes seriam comunicados ao MP para valer a comunicação como denúncia para novo inquérito. O que não se sabia com exactidão era se o novo inquérito era aberto relativamente aos novos e aos antigos factos, numa visão unitária da factualidade, o que implicava a suspensão ou a extinção da instância; se era aberto só para os novos factos, prosseguindo a instância quanto aos antigos, levantando-se aqui um problema sério quando tais factos novos não fossem autonomizáveis. Sobre ele muitas questões se levantavam na jurisprudência, e na doutrina, o que terá levado o legislador a tomar uma decisão. Numa palavra: a jurisprudência, o direito judicial, tinha deixado clara a dificuldade de aplicação do anterior regime e tinha “forçado” o legislador a adoptar uma solução. Vejamos então.
Basicamente, podemos identificar cinco posições, nem sempre completamente antagónicas, senão mais ou menos complementares umas das outras, avançadas quer pela doutrina, quer pela jurisprudência Nesse sentido, Albuquerque: 897 e ss. e o Ac. TC, 226/2008).
Assim, uma primeira apontava para ignorar a solução a dar aos novos factos e a fixar-se nos factos constantes da acusação, sobre eles entendendo-se que se devia dar sentença absolutória ou condenatória. É o caso do Ac. do STJ de 28 de Novembro de 1990.
Uma segunda posição apontava para a absolvição da instância e a remissão dos novos e antigos factos para um novo inquérito. É paradigmática desta posição o Acórdão do TC nº 237/2007. Na doutrina, podemos encontrar como defensores Robalo Cordeiro (1988: 307 e 308) e Noronha Silveira (2002: 252);
uma terceira posição apontava no sentido de uma excepção processual dilatória inominada, ou seja, uma excepção processual nos termos da qual se permitia que o processo fosse remetido à fase de inquérito para que a acusação pudesse abranger, se fosse o caso, mercê de uma melhor investigação, os novos factos. Nesse sentido foi Germano Marques da Silva (2000 b: 282), embora admitisse a possibilidade de absolvição do arguido no processo em curso, e o seu julgamento num outro por factos que não fossem substancialmente os mesmos do anterior.
Uma quarta posição apontava para o arquivamento do processo e a remissão dos factos para um novo inquérito. Nesse sentido foi o Ac. Do STJ de 17 de Dezembro de 1997, confirmado pelo Ac. Do TC nº 237/2007 – solução, aliás, que foi seguida pelo despacho recorrido que está na base do Ac. nº 226/2008, que estamos a analisar - e doutrinalmente António Dantas (1995:1059, embora este Autor seguisse uma linha argumentativa no sentido da aplicação analógica do disposto no artigo 277º, nº 1, do CPP, que aquele Acórdão não precisou de invocar, optando antes por fundamentar a sua posição, um tanto curiosamente, numa “situação inequivocamente configuradora de excepção dilatória inominada”.
Uma quinta posição apontava no sentido da “suspensão (e não a extinção) da instância”. Nesse sentido ia o Acórdão do STJ de 28 de Janeiro de 1993.
Uma sexta posição, pressupondo a possibilidade de o julgamento prosseguir apenas quanto aos primeiros factos, e não já também quanto aos novos, defendia a não produção do efeito consumptivo do caso julgado sobre estes factos novos e não autonomizáveis, que não foram julgados no julgamento anterior, por falta de acordo. Nesse sentido iam Duarte Soares (1994: 26 e Robalo Cordeiro (1988: 305 e 306). 
Ainda uma sétima posição admitia já que não seria possível o julgamento pelos novos factos, quando não fossem autonomizáveis, embora se admitisse que o legislador teria de alterar a norma, no sentido, pelo menos, de se admitir um despacho reconformador da acusação ou da pronúncia. Nesse sentido ia Marques Ferreira (1986: 133 e 1992: 236 e 237). Ainda mais claramente iam Teresa Beleza (1995: 101) e Paulo Mendes (2000: 119), posições que bem se podem considerar precursoras da actual versão da Lei.
Na verdade, a nova versão do articulado veio prescrever uma posição minimalista, no sentido de não ser possível haver inquérito sobre os novos factos que não sejam autonomizáveis, não ser possível serem tomados em conta para o efeito de condenação no processo em curso e de não se implicar a extinção da instância. Numa palavra, esses novos factos que impliquem uma alteração substancial do objecto, e que não fossem autonomizáveis dos factos anteriores, não havendo concordância do arguido, assistente

Podem os novos factos serem agravantes? Como defende o TC? NÃO!
É interessante conhecer, ainda que sucintamente, o argumentarium invocado pelo tribunal de primeira instância.
Se for a defesa a invocar os factos, poderia caber nos poderes de cognição. Porque não viola o princípio da não auto-incriminação – Atenção ao Ac. Do processo 281/5-1 da Rel. Évora e 981/5-1 da rel. Évora.

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