quarta-feira, 16 de março de 2011

Direito das Crianças e dos Jovens

Direito das Crianças e dos Jovens
Sumário da aula de 11-03-2011


A. Nota introdutória quanto a alguns aspectos evolutivos das formas de convivência familiar ou da própria vida familiar como, por exemplo, as características polimorfas do casamento (sustentado, como se diz agora, por laços de afecto) e a pluralidade dos modelos alternativos de coabitação [cf. em Anexo: Evoluções legislativas no Direito da Família depois da Reforma de 1977].

A noção de “vida familiar” parece estar a perder a sua especificidade em benefício de um conceito mais alargado e muito fluido: o direito de desenvolver e criar relações interpessoais. Assim, por exemplo, em relação à jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, antevê-se uma clara dificuldade em distinguir o laço familiar do laço social. [cf. Susana Almeida, O Respeito pela Vida (Privada e) Familiar na Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem: a Tutela das Novas Formas da Família, Coimbra 2008].

  1. Como ponto de partida temos as relações jurídicas familiares, enunciadas taxativamente no artigo 1576.º Código Civil.
  2. Depois, encontramos as chamadas relações para-familiares, a saber:
a)      A união de facto (Lei n.º 7/2001, de 11-05, na redacção da Lei n.º 23/ /2010, de 30-08) – tem conotação sexual;
b)      A economia comum (Lei n.º 6/2001, de 11-05) – baseada na entreajuda;
c)      Outras situações (por exemplo: as relações entre esposados e ex-cônjuges).
  1. Há “novas formas” da família, tais como:
a)      As famílias de facto (as uniões de facto abrangidas pela lei e as estabele-cidas à margem da lei [e que serão, seguramente, as mais problemáticas]);
b)      As famílias monoparentais (mães e/ou pais solteiros, divorciados ou enviu-vados);
c)      As famílias pluriparentais ou recombinadas (patchwork families).
  1. E há novas questões (por exemplo, relativas à problemática multifacetada da transsexualidade e da homossexualidade no contexto familiar, os métodos da procriação medicamente assistida).

Tendo em conta que uma das características específicas do direito da família é a sua permeabilidade em relação à evolução social, o direito das crianças e dos jovens não pode abstrair (quer dizer, não pode ser visto isoladamente) dos condicionalismos que foram referidos.


B. As fontes do direito das crianças e dos jovens em Portugal


a) Constituição da República (de 25 de Abril de 1976)*

Artigo 13.º, n.os 1 (princípio geral) e 2 (“em razão de ascendência”);

Artigo 26.º, n.º 1 (identidade pessoal → direito à historicidade pessoal, isto é o direito ao conhecimento da identidade dos progenitores [suscita problemas de vária ordem])

Artigo 36.º, n.os 1 (constituir família), 3 (igualdade na manutenção e educação dos filhos), 4 (não discriminação dos filhos nascidos dentro e fora do casamento), 5 (direito e dever da educação e manutenção dos filhos), 6 (proibição da separação de pais e filhos sem decisão judicial) e 7 (protecção da adopção);

Artigos 67.º a 70.º (garantia institucional: artigo 67.º, n.º 1; apoio aos filhos: artigo 67.º. n.º 2, alíneas b) a e); paternidade e maternidade: artigo 68.º; infância: artigo 69.º; juventude: artigo 70.º) → preceitos programáticos que parecem basear-se no modelo de família ou de casamento em que ambos os progenitores exercem uma profissão ← os artigos 13.º, 26.º e 36.º constituem garantias individuais contra o Estado [artigo 104.º, n.º 1, há justificação em beneficiar a família em função da utilidade social desta em relação a filhos, deficientes, pessoas acolhidas, idosos, etc., mas não devido ao entendi-mento de casamento (ou união de facto) constituírem uma união baseada meramente em afectos (instáveis); o simples facto de pessoas viverem juntos, por si só, não justifica quaisquer benefícios, aliás suportados pela comunidade através dos seus impostos].

b) Código Civil (DL n.º 47344, de 25 de Novembro de 1966, alterado pelo DL n.º 496/77, de 25 de Novembro)*

Artigos 1796.º a 1972.º (da filiação) [cf. em Anexo: a Lei n.º 61/2008 – altera o regime do divórcio; introduz o conceito de “responsabilidades parentais” que veio substituir a expressão “poder paternal”]

Esta matéria relativa à filiação é sistematizada, no geral, da forma seguinte:
Livro IV (direito da família) → Título III (da filiação) → Capítulo I (estabelecimento da filiação) → Capítulo II (efeitos da filiação).

No que respeita ao estabelecimento da filiação, em especial, a sistematização é esta:   
Capítulo I (estabelecimento da filiação) → Secção I (disposições gerais) → Secção II (estabelecimento da maternidade) → Subsecção I (declaração de maternidade) → Subsecção II (averiguação oficiosa) → Subsecção III (reconhecimento judicial) → Secção III (estabelecimento da paternidade) → Subsecção I (presunção de paternidade) → Subsecção II (reconhecimento de paternidade) → Divisão I (disposições gerais) → Divisão II (perfilhação) → Divisão III (averiguação oficiosa da paternidade) → Divisão IV (reconhecimento judicial)

Artigos 1973.º a 2002.º-D (da adopção) [cf. em Anexo: Adopção (sistema do Código Civil em vigor), Adopção (evolução legislativa), o Preâmbulo ao DL n.º 185/93, de 22 de Maio (relevância social da adopção)];

Artigos diversos do Código Civil (artigos 56.º a 61.º; 122.º a 129.º [130.º a 133.º]; 1105.º, n.º 2, e 1793.º, n.º 1).

c) Decretos-Leis n.os 185/93**, de 22 de Maio, e 120/98**, de 8 de Maio, e Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, todos relativos à adopção.
d) Lei n.º 103/2009, de 11-09 (Aprova o regime jurídico do apadrinhamento civil).*

e) Código do Registo Civil (DL n.º 131/95, de 6 de Junho)** (declaração de nascimento [artigos 96.º a 100.º] → registo de nascimento [artigos 101.º a 104.º] → menção de maternidade ou de paternidade [artigos 112.º a 124.º] → registo da declaração de maternidade [artigos 125.º a 129.º] → registo da perfilhação [artigos 130.º a 133.º] → são casos especiais o registo de abandonados [artigos 105.º a 108.º] e do nascimento ocorrido em viagem [artigos 109.º a 111.º]).

f) Lei n.º 32/2006, de 25 de Julho (Procriação Medicamente Assistida), e Decreto Regu-lamentar n.º 5/2008, de 11 de Fevereiro (respeitando a aspectos “técnicos” da lei).

g) Convenções internacionais [cf. as referências feitas em Anexo]

h) Organização Tutelar de Menores (DL n.º 324/78, de 27 de Outubro)*** [→ evolução sumária da legislação: Lei de Protecção à Infância, de 27 de Maio de 1911; Decreto n.º 10.767, de 15 de Maio de 1925, que a completou; DL n.º 44.287 (com um relatório/ /preâmbulo muito importante, que institui a Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores), DL n.º 44.288 (aprova a Organização Tutelar de Menores [OTM]) e DL n.º 44.289 (aprova o Regulamento da Direcção-Geral dos Serviços Tutelares de Menores), todos de 20 de Abril de 1962); DL n.º 47.727, de 23 de Maio de 1967 (altera a OTM e introduz, na sequência do novo Código Civil de 1966, o processo cível de adopção); DL n.º 314/78, de 27 de Outubro (procede, na esteira da Reforma do Código Civil em 1977, à revisão da OTM); DL n.º 189/91, de 17 de Maio (regula a criação, a competência e o funcionamento das comissões de protecção de menores); DL n.º 58/95 (cria o Instituto de Reinserção Social e revoga, com excepção de 5 artigos, todo o Título II da OTM); L n.º 133/99, de 28 de Agosto (altera a OTM em matéria de processos tutelares cíveis); os DLs n.os 185/93, de 22 de Maio, e 120/98, de 8 de Maio, e a Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto, alteram, sucessivamente, a OTM em matéria de adopção).]

Hoje, a OTM limita-se a regular os processos tutelares cíveis (adopção; regulação do exercício do poder paternal; alimentos devidos a menores; entrega judicial de menor; inibição e limitações ao exercício do poder paternal; averiguação oficiosa de mater-nidade ou de paternidade; e acção tutelar comum).     
i) Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo* (Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro, que revoga a OTM relativamente às matérias por ela abrangidas).

j) Regime da medida de promoção e de protecção relativo à execução do acolhimento familiar (Decreto-Lei n.º 11/2008, de 17 de Janeiro).

k) Lei Tutelar Educativa** (Lei n.º 166/99, de 14 de Setembro, revoga todo o Título I bem como as restantes normas do Título II da Organização Tutelar de Menores).



C. As grandes linhas orientadoras e os preceitos-chave do Código Civil relativos ao estabelecimento e aos efeitos da filiação


1. Como já foi dito, o Código Civil sistematiza a matéria relativa à filiação da forma seguinte: Livro IV (direito da família) → Título III (da filiação) → Capítulo I (estabelecimento da filiação) → Capítulo II (efeitos da filiação).

Neste contexto, o Código orienta-se pelos princípios (1) da abertura à verdade biológica (não obstante a taxatividade dos meios legais para o estabelecimento da filiação, devida a interesses de ordem pública e à rígida formalização registral), (2) das soluções no interesse (abstracto ou concreto) do filho e (3) da não discriminação dos filhos nascidos fora do casamento. [Todos estes princípios que, enquanto tais, são de saudar podem dar origem a problemas cujas soluções nem sempre se aceitam facilmente.]



*******


Juntamente com este Sumário seguem ainda os Anexos seguintes:


a)      Artigo com o título “A evolução legislativa no Direito da Família depois da Re-forma de 1977”
b)      L 61/2008, de 31 de Outubro – Altera o regime do divórcio; introduz o conceito das “responsabilidades parentais” que substitui a expressão “poder paternal”
c)      O regime da adopção
α) O sistema do Código Civil
β) O quadro da evolução legislativa desde a entrada em vigor do CCiv, em 1 de Junho de 1967, até à Lei n.º 31/2003, de 22 de Agosto
γ) O preâmbulo ao Decreto-Lei n.º 185/93, de 22 de Maio
d)     Convenções Internacionais



* Com alterações posteriores por sucessivas Leis Constitucionais.
*   Com muitas alterações posteriores, em parte substanciais, mesmo depois da Reforma de 1977, como, por exemplo, pela Lei n.º 61/2008, de 31-10, que introduziu uma nova concepção do divórcio.
** Com várias alterações posteriores, aliás significativas.

* Esta lei acrescenta mais uma às várias vias possíveis para integrar um menor em família diferente da sua família biológica e, assim, podemos distinguir, de acordo com a sua intensidade:
a)       A atribuição dos apelidos do marido da mãe (artigo 1876.º CCiv; sujeita à eliminação);
b)       A perfilhação não correspondente à verdade biológica (susceptível de impugnação);
c)       O acolhimento familiar (sujeito à cessação);
d)       O apadrinhamento civil (sujeito à revogação);
e)       A adopção restrita (susceptível de revogação e revisão);
f)        A adopção plena (irrevogável mas susceptível de revisão).
** Na redacção do DL n.º 324/2007, de 28 de Setembro. As alterações introduzidas posteriormente pela Lei n.º 61/2008, de 31-10 (instituiu um novo regime e uma nova concepção do divórcio), e pelos Decretos-Leis n.º 247-B/2008, de 30-12 (criou o cartão da empresa e da pessoa colectiva) e n.º 100/2009, de 11-05 (que, finalmente, adaptou os artigos 1626.º CCiv e 7.º, n.º 3 CRegCiv à Concordata de 18-05-2004) e pela Lei n.º 29/2009, de 29-07 (estabelece o Regime Jurídico do Processo de Inventário) não afectaram o texto do CRegCiv no que respeita às matérias do registo do nascimento e do estabelecimento da filiação. 
*** Com muitas alterações posteriores, tendo a Organização Tutelar de Menores ficado reduzida um torso.


* Com alterações posteriores, sendo de realçar a introdução, pela Lei n.º 31/2003, de 22-08, da alínea g) no n.º 1 do artigo 35.º quanto à confiança a pessoa seleccionada com vista à adopção.
** Com alterações posteriores

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